O curso de medicina é bastante caro e difícil de entrar no vestibular da universidade. Por isso, ao se formar, o profissional se vê aliviado de ter concluído tarefa tão árdua, imaginando que o pior provavelmente já passou. 

Mas isso pode não ser totalmente verdade. Isso porque, atualmente, o número de processos envolvendo erros médicos tem crescido de modo exponencial.

Pelo menos 7 em cada 100 médicos no Brasil enfrentam alguma batalha judicial em razão de erros cometidos em serviço.

Inclusive, com dados compilados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a BBC News Brasil afirmou que foram iniciados 70 novos processos relacionados à matéria de erro médico por dia, ou 3 processos novos por hora, no ano de 2017.

Nesses casos, as indenizações decorrentes desse tipo de ação são muito elevadas. Até porque o dano experimentado por quem alega o erro médico muitas vezes pode ser irrecuperável. 

A perda de funções motoras, de algum membro, ou até a perda da vida de um filho ou parente, são danos que dificilmente serão compensados de forma equilibrada por uma indenização em dinheiro. 

Além disso, é provável que o hospital arque com o prejuízo, o que faz com que as ações cheguem a ser milionárias. 

Nesse contexto, o preenchimento correto do prontuário médico pode ser a diferença entre a vitória ou a derrota em uma ação judicial milionária.

É por isso que é essencial ter muito cuidado com esse documento. 

O prontuário médico

O prontuário médico é um documento que traz todas as informações do paciente sobre as quais o médico, e o hospital de uma forma geral, tem conhecimento.

Assim, é ele que vai orientar as condutas do médico em relação àquele paciente. 

Também é o prontuário médico que servirá como prova em uma eventual ação judicial por suposto erro médico.

Vou comentar agora algumas das situações mais problemáticas envolvendo esse documento. 

Não ter o prontuário 

Se por alguma razão o prontuário não for preenchido ou for perdido, e não puder ser apresentado na Justiça, haverá grande prejuízo para o médico e/ou o hospital. 

Por exemplo: pensando em um procedimento que tem complicações porque o paciente não informou ter alergia a algum medicamento, o prontuário médico é a prova de que a equipe procedeu corretamente com as informações que tinha e, nesse caso, a culpa pode ser do paciente. 

No entanto, na hipótese de ausência do prontuário, pode ocorrer a condenação imediata do hospital e do médico, uma vez que não conseguirá provar as condições que antecederam o procedimento. 

Isso porque a responsabilidade de obter as informações pertinentes e registrá-las no prontuário é do médico e de sua equipe. 

Assim, se o erro foi do paciente, mas não há prontuário para provar, a culpa recai sobre o médico que não manteve o prontuário devidamente preenchido. 

Prontuário em más condições ou ilegível 

Também não vale de nada ter um prontuário se ele não se prestar ao seu objetivo. 

Assim, diante da necessidade de apresentação do prontuário em juízo para defesa em um caso de erro médico, é necessário que o documento esteja em boas condições, além de legível. 

Os prontuários rasgados, molhados, rasurados, que não consigam demonstrar a situação de fato que se pretende provar por estarem em condições ruins, de nada servem e, igualmente, podem ensejar a condenação do médico ou do hospital.

Da mesma forma ocorre com os prontuários ilegíveis.

É muito comum, e até motivo de piada, que a letra do médico seja muito difícil de ler. No prontuário médico, isso pode ser um grande problema. 

Isso porque não é dever do juiz, ou de qualquer um que esteja envolvido no processo, se esforçar para entender o que o prontuário diz. 

A alegação do médico sobre o conteúdo do documento tem de ser razoável, de forma que, se não der para ler, de nada serve o prontuário. 

Por ser este um problema frequente na comunidade médica, o Código de Ética Médica estabelece que: 

“É vedado ao médico:

Artigo 87. Deixar de elaborar prontuário médico legível para cada paciente.”.

Assim, igualmente ao caso da ausência de prontuário, o prontuário imprestável ou ilegível não facilita o julgamento do caso de erro médico, sendo possível a condenação mesmo que o prontuário supostamente sirva de prova de inocência.

Manter o sigilo médico-paciente

Por fim, é importante lembrar que o conteúdo do prontuário médico é absolutamente sigiloso, e só pode ser revelado em três hipóteses: 

  1. Dever legal
  2. Justa causa 
  3. Autorização do paciente

Isso significa que apesar de o prontuário ter sido preenchido corretamente e ser mantido sob os devidos cuidados, também deve-se ter muita atenção com seu conteúdo. 

Nem o médico, nem a equipe podem revelar o seu conteúdo levianamente. É preciso que isso ocorra por exigência legal, seja em processo judicial ou, ainda, nas hipóteses que definem as leis aplicáveis aos médicos. 

Pode ser também o caso de justa causa, o que, ainda que o caso evolua para um processo judicial, o médico conseguirá comprovar perante o juiz que houve razão suficiente, que geralmente se relaciona à salvaguarda do próprio paciente. 

Ainda, se o paciente autorizar a revelação do conteúdo, jamais poderá pleitear indenização pela divulgação das informações. 

No entanto, novamente, o ideal é que se possa provar essa postura por parte do paciente. 

Assim, a falta de atenção a essa questão pode igualmente trazer prejuízos aos médicos e suas equipes, que podem ser condenados ao pagamento de indenizações por expor indevidamente a intimidade do paciente. 

Efeitos de um prontuário médico mal feito

Como visto, a falta de cuidado devido com o prontuário médico é capaz de trazer sérios prejuízos ao médico pelos seguintes motivos:

Nesses casos, uma condenação dessa natureza pode significar o pagamento de indenizações de centenas de milhares de reais

Assim, sem dúvida esses valores ultrapassam todo o investimento feito na sua carreira médica, de forma que não vale a pena deixar de se atentar a uma questão tão simples, mas tão problemática.